Enchentes e catástrofes ambientais já fazem parte do nosso cotidiano. Também a dor e a morte das pessoas passam a ser o drama de todos que, diante da TV, ficam comovidos com esses acontecimentos.
Nesta entrevista, Ilza Girardi, mostra sua preocupação com a forma de divulgação dos temas ambientais.
Nesta entrevista, Ilza Girardi, mostra sua preocupação com a forma de divulgação dos temas ambientais.
Ilza Girardi,
professora de jornalismo na UFRGS e fundadora do Núcleo de Ecojornalistas do RS.
Endereço eletrônico: ilza.girardi@ufrgs.br
Site: www.ecoagencia.com.br
Mundo Jovem: Como surgiu o ecojornalismo?
Ilza Girardi: No Brasil, essa discussão do ecojornalismo já existia a partir de alguns jornalistas, ainda no tempo da ditadura. Eram jornalistas que faziam matérias denunciando o uso de agrotóxicos, de produtos altamente tóxicos usados nas indústrias. O jornalista Randau Marques inclusive chegou a ser preso, porque naquela época quem questionava determinados procedimentos era tachado de comunista, subversivo. Isso tornava muito difícil fazer uma contestação sobre a matriz industrial e agrícola implantada no país. Começou a surgir uma série de questionamentos na sociedade, e alguns jornalistas deram ouvidos e voz para o que ocorria vindo dos movimentos ecológicos.
Quando foi criado o núcleo de ecojornalistas, no Rio Grande do Sul, a ideia era qualificar a informação ambiental e preparar jornalistas para fazerem a cobertura da Eco 1992.
Em 1998, num encontro com os jornalistas da América Latina e do Caribe, foi criada a rede internacional de jornalismo ambiental. Na Europa, essa rede surgiu com os jornalistas que faziam cobertura nas guerras. Eles observavam o ambiente de desolação que as guerras deixavam e começaram a discussão sobre a questão ambiental.
Mundo Jovem: Como o ecojornalismo contribui na divulgação da verdade?
Ilza Girardi: O ecojornalismo tem o compromisso de qualificar a informação ambiental para levar ao público as informações corretas, contextualizadas. Fazemos isso através dos cursos e seminários que oferecemos e também estimulando para que as faculdades criem disciplinas de jornalismo ambiental. O compromisso educativo do jornalismo é justamente colocar à disposição do público as informações corretas, e para isso o profissional precisa realmente conhecer a matéria. Ele precisa ter uma especialização que não o limite, pois o assunto é complexo e é preciso buscar na ciência o entendimento para não dizer bobagem. Hoje as nossas lutas são muito maiores: envolvem a questão dos transgênicos, da poluição nuclear, de todas as poluições geradas por substâncias que fazem parte da composição dos plásticos.
É um compromisso de educar o público, não apenas como os professores fazem, mas fornecer uma informação que dê conta da complexidade do tema, de maneira que as pessoas entendam que não é uma questãozinha isolada, mas que todas as coisas estão relacionadas entre si como se fosse uma teia. Na questão da agricultura, por exemplo, revolve-se o solo o tempo todo, depois os adubos químicos e agrotóxicos vão para os cursos d’água através das chuvas, gerando uma série de problemas para a água que é consumida. A água, então, recebe um tratamento à base de produtos químicos que prejudicam a saúde, que podem provocar desde pequenos problemas até câncer no fígado. Então, no momento em que circula a informação bem completa, as pessoas vão refletir e podem desencadear uma reação de combate a esses problemas.
Mundo Jovem: Não é uma contradição a mídia pregar a defesa do meio ambiente e, através da propaganda, estimular o consumismo?
Ilza Girardi: Sim. Por exemplo, em Porto Alegre o jornal Zero Hora, do grupo RBS, criou há alguns anos um caderno ambiental e agora tem o Nosso Mundo Sustentável. E quem patrocina isso é a fabricante de cigarros Souza Cruz. A RBS encampou a causa do plantio de eucaliptos. Paralelamente, o Correio Braziliense, entre outros, fazia reportagens perfeitas sobre o que estava acontecendo no Rio Grande do Sul.
Na visão de mundo que não é a dos jornalistas ambientais, e que acham que a gente pode detonar o pampa, o pampa foi considerado como composto por áreas muito pobres, insignificantes, e que a paisagem seria alterada com o plantio de florestas de eucaliptos, utilizando um conceito errado, pois hoje se sabe que o plantio de um único tipo de árvore não gera florestas.
Criam-se mídias ambientais alternativas, pequenas revistas que circulam informações corretas, mas elas não resistem, nem têm publicidade. O programa Globo Ecologia, por exemplo, é um programa bom. Tem o programa Cidades e Soluções que traz coisas interessantes, mas nem tudo a gente aceita. Por exemplo, não acho que seja solução fazer um monte de coisas com a garrafa pet ou com a as latinhas de refrigerante e cerveja: a solução seria não mais fabricá-las. Por que não continuar usando o vidro, que não causa problemas ambientais?
Mundo Jovem: Como você analisa a forma como os meios de comunicação tratam as catástrofes ambientais?
Ilza Girardi: Já em 2005, as mudanças climáticas eram anunciadas numa linha de fim do mundo. Eram capas de jornais e revistas bem chocantes. A mídia começou a dar mesmo atenção a isso a partir dos alertas do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas). Mas a discussão que há no meio jornalístico ambiental é que o catastrofismo pode gerar uma reação oposta nas pessoas, uma reação de imobilidade, de conformidade.
Veja o que aconteceu no Rio de Janeiro. O que não dá para fazer é perguntar a uma pessoa que perdeu toda a família como é que ela está se sentindo. O que tem que fazer é relacionar esses acontecimentos com o desmatamento, com a tentativa de mudar o código florestal...
Mundo Jovem: O que precisa ser feito no tratamento jornalístico dessas catástrofes?
Ilza Girardi: Por exemplo, diante de uma enchente, será que a causa é só o problema da quantidade de chuvas ou é o assoreamento dos rios? E não é a forma como se processa a agricultura que provoca esse assoreamento? Enquanto isso, temos a agricultura ecológica, que pode produzir em grandes extensões, com um agricultor ao lado do outro, e não apenas um agricultor com grandes extensões de terra, porque não podemos esquecer a justiça social. A agroecologia, além de gerar todo um equilíbrio ambiental, insere as pessoas, utiliza máquinas menos agressivas e produz alimentos orgânicos, muito mais ricos em nutrientes do que os gerados pela agricultura industrial. Mas o que os governos brasileiros têm feito com relação a isso?
Além disso, ajudar a divulgar alternativas, como formas de intervenção para melhorar a estabilidade dos terrenos, drenar melhor a água, conter encostas, ou seja, melhorar a segurança e a gestão do lugar para que, mesmo numa situação de risco, se possam evitar mortes.
Mundo Jovem: Que contribuição a mídia pode dar na ocorrência de um desastre natural?
Ilza Girardi: Primeiro, falar a verdade. E pode também organizar um sistema de alerta. Detectar, através do serviço de satélites, a proximidade de acontecimentos e alertar a população através de alto-falantes, rádios comunitárias etc., para que possa haver um deslocamento prévio.
Fazer com que as pessoas se deem conta de que o tipo de economia que temos favorece a que este tipo de acontecimento esteja se intensificando. Por exemplo, fala-se da hidrelétrica no Rio Uruguai, que pode alterar as águas, a vida, a piracema dos peixes, e toda uma economia gerada a partir da pesca; árvores inundadas que vão apodrecer gerando metano, que é bem pior do que o carbono. O certo seria remover antes todas as plantas para outro local. E, infelizmente, há governantes, agricultores e urbanos que não estão nem aí para estas questões.
Num documentário de 1980, o ecologista José Lutzemberger, em meio a uma grande queimada em Rondônia, já previa a mudança no clima do Sul do país num prazo de 20 anos. E simplesmente ele era chamado de louco. Hoje se sabe que ele estava certo.
Mundo Jovem: E as escolas, como podem ajudar?
Ilza Girardi: As escolas têm que assumir essas causas. Começar com a leitura crítica da mídia. Criar um jornal dentro da escola. Tratar a educomunicação junto com a questão ambiental para que o jovem tenha um outro olhar e possa incorporar o meio ambiente na sua própria vida e entender que não está fora disso. Pois, apesar de tudo o que está acontecendo, as pessoas acham que conseguem controlar os eventos ambientais, enquanto que nós apenas poderíamos preveni-los se mudássemos nossas ações. Então, as escolas, os professores, também com o estímulo das rádios comunitárias, seria o caminho da educação ambiental.
Revista Mundo Jovem
Ilza Girardi: No Brasil, essa discussão do ecojornalismo já existia a partir de alguns jornalistas, ainda no tempo da ditadura. Eram jornalistas que faziam matérias denunciando o uso de agrotóxicos, de produtos altamente tóxicos usados nas indústrias. O jornalista Randau Marques inclusive chegou a ser preso, porque naquela época quem questionava determinados procedimentos era tachado de comunista, subversivo. Isso tornava muito difícil fazer uma contestação sobre a matriz industrial e agrícola implantada no país. Começou a surgir uma série de questionamentos na sociedade, e alguns jornalistas deram ouvidos e voz para o que ocorria vindo dos movimentos ecológicos.
Quando foi criado o núcleo de ecojornalistas, no Rio Grande do Sul, a ideia era qualificar a informação ambiental e preparar jornalistas para fazerem a cobertura da Eco 1992.
Em 1998, num encontro com os jornalistas da América Latina e do Caribe, foi criada a rede internacional de jornalismo ambiental. Na Europa, essa rede surgiu com os jornalistas que faziam cobertura nas guerras. Eles observavam o ambiente de desolação que as guerras deixavam e começaram a discussão sobre a questão ambiental.
Mundo Jovem: Como o ecojornalismo contribui na divulgação da verdade?
Ilza Girardi: O ecojornalismo tem o compromisso de qualificar a informação ambiental para levar ao público as informações corretas, contextualizadas. Fazemos isso através dos cursos e seminários que oferecemos e também estimulando para que as faculdades criem disciplinas de jornalismo ambiental. O compromisso educativo do jornalismo é justamente colocar à disposição do público as informações corretas, e para isso o profissional precisa realmente conhecer a matéria. Ele precisa ter uma especialização que não o limite, pois o assunto é complexo e é preciso buscar na ciência o entendimento para não dizer bobagem. Hoje as nossas lutas são muito maiores: envolvem a questão dos transgênicos, da poluição nuclear, de todas as poluições geradas por substâncias que fazem parte da composição dos plásticos.
É um compromisso de educar o público, não apenas como os professores fazem, mas fornecer uma informação que dê conta da complexidade do tema, de maneira que as pessoas entendam que não é uma questãozinha isolada, mas que todas as coisas estão relacionadas entre si como se fosse uma teia. Na questão da agricultura, por exemplo, revolve-se o solo o tempo todo, depois os adubos químicos e agrotóxicos vão para os cursos d’água através das chuvas, gerando uma série de problemas para a água que é consumida. A água, então, recebe um tratamento à base de produtos químicos que prejudicam a saúde, que podem provocar desde pequenos problemas até câncer no fígado. Então, no momento em que circula a informação bem completa, as pessoas vão refletir e podem desencadear uma reação de combate a esses problemas.
Mundo Jovem: Não é uma contradição a mídia pregar a defesa do meio ambiente e, através da propaganda, estimular o consumismo?
Ilza Girardi: Sim. Por exemplo, em Porto Alegre o jornal Zero Hora, do grupo RBS, criou há alguns anos um caderno ambiental e agora tem o Nosso Mundo Sustentável. E quem patrocina isso é a fabricante de cigarros Souza Cruz. A RBS encampou a causa do plantio de eucaliptos. Paralelamente, o Correio Braziliense, entre outros, fazia reportagens perfeitas sobre o que estava acontecendo no Rio Grande do Sul.
Na visão de mundo que não é a dos jornalistas ambientais, e que acham que a gente pode detonar o pampa, o pampa foi considerado como composto por áreas muito pobres, insignificantes, e que a paisagem seria alterada com o plantio de florestas de eucaliptos, utilizando um conceito errado, pois hoje se sabe que o plantio de um único tipo de árvore não gera florestas.
Criam-se mídias ambientais alternativas, pequenas revistas que circulam informações corretas, mas elas não resistem, nem têm publicidade. O programa Globo Ecologia, por exemplo, é um programa bom. Tem o programa Cidades e Soluções que traz coisas interessantes, mas nem tudo a gente aceita. Por exemplo, não acho que seja solução fazer um monte de coisas com a garrafa pet ou com a as latinhas de refrigerante e cerveja: a solução seria não mais fabricá-las. Por que não continuar usando o vidro, que não causa problemas ambientais?
Mundo Jovem: Como você analisa a forma como os meios de comunicação tratam as catástrofes ambientais?
Ilza Girardi: Já em 2005, as mudanças climáticas eram anunciadas numa linha de fim do mundo. Eram capas de jornais e revistas bem chocantes. A mídia começou a dar mesmo atenção a isso a partir dos alertas do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas). Mas a discussão que há no meio jornalístico ambiental é que o catastrofismo pode gerar uma reação oposta nas pessoas, uma reação de imobilidade, de conformidade.
Veja o que aconteceu no Rio de Janeiro. O que não dá para fazer é perguntar a uma pessoa que perdeu toda a família como é que ela está se sentindo. O que tem que fazer é relacionar esses acontecimentos com o desmatamento, com a tentativa de mudar o código florestal...
Mundo Jovem: O que precisa ser feito no tratamento jornalístico dessas catástrofes?
Ilza Girardi: Por exemplo, diante de uma enchente, será que a causa é só o problema da quantidade de chuvas ou é o assoreamento dos rios? E não é a forma como se processa a agricultura que provoca esse assoreamento? Enquanto isso, temos a agricultura ecológica, que pode produzir em grandes extensões, com um agricultor ao lado do outro, e não apenas um agricultor com grandes extensões de terra, porque não podemos esquecer a justiça social. A agroecologia, além de gerar todo um equilíbrio ambiental, insere as pessoas, utiliza máquinas menos agressivas e produz alimentos orgânicos, muito mais ricos em nutrientes do que os gerados pela agricultura industrial. Mas o que os governos brasileiros têm feito com relação a isso?
Além disso, ajudar a divulgar alternativas, como formas de intervenção para melhorar a estabilidade dos terrenos, drenar melhor a água, conter encostas, ou seja, melhorar a segurança e a gestão do lugar para que, mesmo numa situação de risco, se possam evitar mortes.
Mundo Jovem: Que contribuição a mídia pode dar na ocorrência de um desastre natural?
Ilza Girardi: Primeiro, falar a verdade. E pode também organizar um sistema de alerta. Detectar, através do serviço de satélites, a proximidade de acontecimentos e alertar a população através de alto-falantes, rádios comunitárias etc., para que possa haver um deslocamento prévio.
Fazer com que as pessoas se deem conta de que o tipo de economia que temos favorece a que este tipo de acontecimento esteja se intensificando. Por exemplo, fala-se da hidrelétrica no Rio Uruguai, que pode alterar as águas, a vida, a piracema dos peixes, e toda uma economia gerada a partir da pesca; árvores inundadas que vão apodrecer gerando metano, que é bem pior do que o carbono. O certo seria remover antes todas as plantas para outro local. E, infelizmente, há governantes, agricultores e urbanos que não estão nem aí para estas questões.
Num documentário de 1980, o ecologista José Lutzemberger, em meio a uma grande queimada em Rondônia, já previa a mudança no clima do Sul do país num prazo de 20 anos. E simplesmente ele era chamado de louco. Hoje se sabe que ele estava certo.
Mundo Jovem: E as escolas, como podem ajudar?
Ilza Girardi: As escolas têm que assumir essas causas. Começar com a leitura crítica da mídia. Criar um jornal dentro da escola. Tratar a educomunicação junto com a questão ambiental para que o jovem tenha um outro olhar e possa incorporar o meio ambiente na sua própria vida e entender que não está fora disso. Pois, apesar de tudo o que está acontecendo, as pessoas acham que conseguem controlar os eventos ambientais, enquanto que nós apenas poderíamos preveni-los se mudássemos nossas ações. Então, as escolas, os professores, também com o estímulo das rádios comunitárias, seria o caminho da educação ambiental.
Revista Mundo Jovem
Olá, turma aqui na UFCG-Patos, temos NEPA – Núcleo de Extensão e Pesquisa Agroecológica, e GOSTARIA de fazer parcerias com vcs!
ResponderExcluirE agora em Setembro vamos realizar um evento e Gostaria da ajuda de vcs. pajé